sexta-feira, 24 de abril de 2009

Mata Atlântica - Legislação prejudica comunidades tradicionais


A legislação ambiental, imprescindível para a preservação da Mata Atlântica, ameaça o desenvolvimento das comunidades tradicionais – indígenas, descendentes de quilombolas e caiçaras – que convivem com a mata há centenas de anos.

As diversas leis ambientais criadas nos últimos 40 anos, que possibilitaram a instituição de parques, reservas e estações ecológicas, praticamente congelaram a devastação da Mata Atlântica. No entanto, as normas bloquearam também a continuidade das atividades tradicionais executadas pelas populações que, reconhecidamente, foram as maiores responsáveis pelo que ainda restou do bioma.

Caiçaras, descendentes de quilombolas e indígenas mantêm aspectos culturais seculares e praticam, sobretudo, agricultura voltada à subsistência. São reconhecidos por conviver com a mata sem destruí-la. No entanto, parte das terras utilizada há centenas de anos por essa população foi sobreposta por unidades de preservação ambiental. Parte considerável dessa população foi impedida de desenvolver suas roças, de caçar e de extrair da mata produtos que ajudavam na sobrevivência.

O modo como foram aplicadas as normas ambientais nos últimos anos acabou por causar a expulsão dessas comunidades tradicionais de suas terras e abriu espaço para que outros grupos, menos responsáveis ambientalmente, ingressassem na área da mata.

Segundo ambientalistas, seria necessária uma postura propositiva de dialogar com as comunidades para que elas pudessem continuar vivendo e mantendo a relação que sempre tiveram com o meio ambiente, e não da forma como o Estado fez nos últimos anos, principalmente a partir da criação dos parques, que originou um processo de expulsão dessas comunidades.

Outros agentes econômicos tomaram esse espaço e o estrago está sendo muito maior, na medida em que essas comunidades não estão lá para ocupar da forma como tradicionalmente a área foi ocupada.

Hoje, na Mata Atlântica, vivem cerca de 70 povos indígenas em centenas de aldeias e mais de 370 comunidades quilombolas. No mesmo espaço, foram criadas aproximadamente 1.400 unidades de conservação federais e estaduais, como parques, reservas, estações ecológicas e reservas particulares do patrimônio natural. Com as medidas protecionistas, essa riqueza que é a diversidade social que há na Mata Atlântica dessas comunidades tradicionais está sendo perdida, como também o papel que essas comunidades tiveram de manter a floresta em pé.

A roça de coivara é um bom exemplo das atividades dos povos tradicionais que preservaram a mata. Consiste num sistema de rodízio na utilização da terra, sem a necessidade de expansão da área cultivada.

Os povos tradicionais da região de Mata Atlântica derrubavam a mata, faziam roça de arroz, milho, feijão e mandioca e não compravam nada a não ser o sal. Colhiam, vendiam e ainda tinham para comer. Nenhum gênero alimentício vinha de fora. Sobreviviam com suas próprias atividades. Depois da criação de unidades de conservação, muitos abandonaram a agricultura, dedicando-se somente às pesca, não podendo mais derrubar mata. Os caiçaras, quilombolas e indígenas perderam o chão, pois a vida era fazer uma roça manejada pela própria comunidade. A agricultura familiar ficou praticamente desativada, o que dificultou as condições de vida desses povos.

Mas é no núcleo Picinguaba, do Parque Estadual da Serra do Mar, SP, que uma nova experiência com as comunidades tradicionais procura estabelecer um equilíbrio entre cumprir a lei ambiental e preservar as atividades das populações que já viviam no local muito antes da criação dessas áreas de conservação. Essas comunidades viveram até 2004 sob situação de forte pressão, que gerou uma exclusão social muito grave, porque a legislação ambiental que incidia sobre a gestão da unidade previa que essas comunidades fossem indenizadas, removidas e reassentadas em outro local.

A partir de então, as comunidades, em parceria com a administração do parque, encontraram uma solução jurídica para o impasse. Cruzando várias legislações, tanto do ponto de vista social quanto ambiental, criaram o que é chamado de “plano de uso tradicional”. Trata-se de um pacto social, um acordo estabelecido com todos os órgãos gestores para que a comunidade possa permanecer na área, garantindo seus direitos adquiridos de permanência, desenvolvimento das suas atividades e seus hábitos culturais cotidianos.

Duas comunidades quilombolas da região já conseguiram concretizar o pacto. Na prática, o plano consiste num cadastramento de todos os ocupantes, uma caracterização de como vivem, seus hábitos e suas dependências. Também define o desenvolvimento de projetos para implantação de uma série de atividades para desenvolvimento sustentável e as áreas e locais apropriados para que essas práticas possam se desenvolver.

As comunidades que fizeram o pacto já têm demarcados territórios dentro de suas áreas onde podem construir novas edificações, plantar e abrir áreas de plantio, assim como extrair recursos da floresta. Mas, com a preocupação agora de adaptar suas técnicas à sustentabilidade.

Começaram a extrair a polpa da palmeira juçara (símbolo da Mata Atlântica) de um jeito sustentável, não arrancando todos os cachos, escolhendo-se um para deixar, pois as aves e outros animais utilizam-se da palmeira que é vital para a vida da floresta. Um grupo de índios Guarani, que habita uma reserva indígena no município de São Sebastião, em meio a Mata Atlântica, permanece realizando suas atividades tradicionais, mas incorporaram novos meios de cultivo que preservam a mata nativa. Passaram a usar mudas de pupunha, mudas de açaí, que também dão em palmeiras, para preservar a palmeira juçara.

Nós aqui do blog concordamos com quase tudo que está sendo noticiado e desenvolvido para a sobrevivência dessas comunidades e seu ecossistema. Só não concordamos com a introdução de espécies exóticas como o açaí (típica do norte do país) e a pupunha (região amazônica) em áreas de conservação de Mata Atlântica! A legislação ambiental, nos faz crer, vem sendo feita por pessoas que não têm a mínima noção da realidade dos diferentes biomas brasileiros e comunidades que dele dependem. Infelizmente, é a conclusão que estamos chegando a cada dia que passa. É 8 ou 80. Quando não restringe tudo, abre espaço para uma potencial devastação pela introdução de espécies não típicas da região. Sabe-se há muito tempo da viabilidade de manejo da palmeira juçara (Euterpe edulis), espécie típica de Mata Atlântica, que proporciona além do suco de “açaí”, seria o suco de juçara no caso, sementes para produção de mudas, mudas (as matrizes de palmeiras selecionadas formam verdadeiros bancos de mudas ao seu redor, devido à queda e germinação natural das sementes), madeira para construção, material para cobertura, e o melhor palmito que existe. Não podemos nos esquecer que a palmeira juçara é uma excelente fonte de alimento para a diversas espécies da fauna nativa.

O manejo é muito simples e poderia ser implantado em qualquer área da Floresta Pluvial Atlântica. Além de garantir a sobrevivência das comunidades tradicionais, melhorando suas condições de vida, ajudaria a preservar a palmeira juçara, hoje ameaçada de extinção, sem ter de correr o risco de introdução de espécies exóticas num dos ecossistemas mais ameaçados do planeta.