domingo, 29 de junho de 2008

Polêmica - Raposa Terra do Sol - Luta na terra de Makunaima


Luiz Carlos Azenha, conceituado jornalista, produziu um documentário sobre a questão muito divulgada na mídia ultimamente, o caso da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima,veiculado na TV Cultura de São Paulo. A área foi demarcada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e homologada há três anos, em 15 de abril de 2005, pelo atual governo.

Trata-se de uma área contínua de 1,747 milhão de hectares, dividida entre imensas planícies, semelhantes às das regiões de cerrado, mas lá denominadas de lavrado, e cadeias de montanhas, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Na realidade, esse é um dos ecossistemas bem definidos e também muito importantes do país, conhecido como campos de Roraima, famosos pelos cavalos selvagens que lá vivem. Por ser um ecossistema único (única região no país que abriga os referidos cavalos), não pode ser tratado simplesmente como os agricultores da região se referem (áreas limpas de cerrado), argumentando que lá a fronteira agrícola permite a ampliação das áreas de lavouras sem ter que derrubar uma árvore, o que certamente facilitará, não havendo planejamento e monitoramento governamental, a destruição do bioma.

Segundo a FUNAI, lá vivem cerca de 19 mil índios (número contestado pelos agricultores que alegam ter no máximo 7.000 índios), a maioria deles da etnia macuxi. Junto com os índios, estão os não-indígenas constituídos por pequenos produtores rurais, comerciantes e sete grandes rizicultores (sendo dois arrendatários) que iniciaram a ocupação da região nos anos 70 e hoje representam um dos setores mais importantes da economia do Estado. A rizicultura representa hoje 40% da produção agrícola de Roraima. O arroz irrigado produzido em Roraima está alimentando hoje uma população de aproximadamente dois milhões de pessoas, no Amazonas, Pará e Amapá, além do próprio estado de Roraima. A atividade dá emprego direto para duas mil pessoas e indiretos para seis mil pessoas. No coração de todo esse sucesso agroindustrial está o trabalho de 20 anos de pesquisa da Embrapa Roraima (empresa estatal de pesquisa agropecuária), que já recomendou várias cultivares (Fonte: EMBRAPA). A safra 2007/2008 plantada numa área de 24 mil hectares, está estimada em 152.400 toneladas, representando uma produtividade média de 127 sacas de arroz por hectare.

Hoje, o arroz é o alimento básico para mais da metade da população mundial. Somente na Ásia, mais de 2 bilhões de pessoas obtêm de 60 a 70 % de energia através do consumo de arroz e seus derivados. É a fonte alimentar com o crescimento mais rápido na África e de grande importância à segurança alimentar.

Com a demanda por alimentos aquecida, os agricultores calculam que teriam mercado garantido no Estado e na Bacia Amazônica, se triplicassem a capacidade de beneficiamento. Mas em vez de aumentar, as empresas poderão ser, em breve, forçadas a reduzir em 50% a quantidade de arroz que beneficiam. Ainda segundo eles, se saírem da área, terão um déficit considerável de oferta de arroz a ponto de precisarem comprar arroz de outros estados. Todo o arroz consumido no estado vem hoje dos produtores locais. Os rizicultores, segundo o governo do estado, representam 6% do PIB de Roraima (R$ 3,2 bilhões). Em 2007, o setor teve faturamento de R$ 51 milhões.

Há mais de 20 anos, parte dos índios de Roraima luta pela homologação da Raposa Serra do Sol em área contínua, e não em ilhas, como querem os agricultores que contam com o apoio de uma parte dos povos indígenas que ali habitam e a maioria da população do estado. Além disso, a existência do município de Uiramutã, criado em 1996, e cuja sede está na terra indígena, é outro entrave no caminho. A homologação fracionada excluiria da terra indígena as áreas produtivas, as estradas, as vilas, as sedes municipais e as áreas de expansão. Todo este território, somado, representa uma extensão de 600 mil hectares.

A notificação para que os agricultores saíssem das terras é datada de março de 2007. A permanência após o dia 30 de abril daquele ano permitiria ao governo o uso de força policial para a retirada dos agricultores, ação que foi levada a cabo a partir da Operação Upakaton 3, da Policia Federal, iniciada em abril deste ano. Nos últimos meses, a resistência dos produtores de arroz da região tem aumentado, levando a conflitos armados. A violência explodiu na região. A concessão de uma liminar pedida pelo governo de Roraima ao Supremo Tribunal Federal interrompeu a ação da PF. O Estado de Roraima argumentou que a efetivação da demarcação contínua poderia, entre outros problemas, prejudicar a economia da região e aumentar a violência. A medida não surtiu efeito e culminou em conflito no último dia 5 de maio. Funcionários da Fazenda Depósito, controlada por Paulo César Justo Quartiero (o maior arrozeiro da região), teriam atirado contra índios, ferindo dez deles.

Azenha procurou dar espaço para que todas as partes envolvidas na questão expusessem suas considerações, fazendo um trabalho jornalístico isento, imparcial, digno do raro bom jornalismo que ainda existe nos dias de hoje. Para quem nunca foi à região, não conhece a realidade local, como eu, e para aqueles que querem entender um pouco mais o que acontece realmente, o material é muito rico e merece ser apreciado.

Não vou aqui defender nenhum dos lados, mas o que mais me intriga nessa história toda é que os arrozeiros ocupam menos de 1,5 % da área destinada à reserva. Pelo que vemos nos mapas, a área é rica em recursos hídricos e mesmo esses 1,5 % se concentrando às margens do Rio Surumu, restam milhares de hectares inexplorados às margens do mesmo
rio e de toda a bacia hidrográfica da região. Porque será que esses 1,5 % de terras representam tanto na discussão da questão? Estão procurando visibilidade às custas dos arrozeiros, ou essas são as únicas terras valiosas lá existentes? O restante dos 98,5% não valem o que valem os 1,5 % dos arrozeiros? Temos que lembrar também, que os arrozeiros lá instalados, não simplesmente são plantadores de arroz. Além de plantarem o arroz, esses produtores implantaram toda uma infra-estrutura de beneficiamento, um pólo agro-industrial único naquele estado. Não é chegar lá e tirar alguns agricultores. É desarticular toda uma enorme estrutura de produção que emprega muita gente, inclusive indígenas. Hoje, várias vilas dependem diretamente da atividade, sem contar que, durante essas últimas décadas, a miscigenação entre indígenas e não-indígenas foi enorme. Não-indígenas têm parentes indígenas e, havendo a homologação contínua, obrigatóriamente os não-indígenas teriam que se separar se seus parentes indígenas, pois assim rege a lei.

Outro ponto mencionado pelos que defendem a necessidade de retirada dos arrozeiros, é que estes não respeitam qualquer preceito ambiental no desenvolvimento das lavouras. Ora, isso não é argumentação válida. Se estão utilizando água de forma irregular, se aplicam agrotóxicos de forma exagerada, se não respeitam as matas ciliares, se não se utilizam de técnicas adequadas de conservação do solo, que passem a adotá-las. Que as comunidades e as ongs cobrem do governo as medidas cabíveis que exijam o cumprimento das normas de conservação ambiental definidas pela legislação brasileira.

Além da questão ambiental, alegam que a
demarcação tem que ser contínua para garantir o intercâmbio cultural das diversas etnias ali existentes. Pelo que se vê, e o próprio agente do governo afirma na reportagem, é que a descontinuidade hoje existente não influenciou negativamente na densidade demográfica indígena, consquentemente, podemos deduzir que nem no intercâmbio cultural. A população continua crescendo. Cresce 06 vezes mais que a média nacional! Porque será que vai influenciar daqui para frente? Uma indígena aculturada, membro de uma das ongs, alega que em 21 anos, 20 índios foram mortos na região, menos de 01 por ano, e considera isso extermínio. Que extermínio é esse? Estão achando que somos o quê? Ignorantes? Tolos? Em qualquer cidade do país os índices de violência são infinitamente maiores que esses apresentados pela indígena. Não estou aqui para fazer apologia ao extermínio de índios! Pelo amor de Deus! Luto pela justiça social e ambiental. Mas o que é isso? Que argumento mais doméstico!

Outra questão importante: as ongs e os indígenas argumentam que garantirão a produção agrícola nos moldes da cultura indígena. Isto significa que a produção e a produtividade cairão consideravelmente. Eles, talvez, conseguirão produzir para se manterem (subsistência) e assim, o estado passará a depender da importação de alimentos de outros estados e países como a Venezuela. O governo de nossos vizinhos, recentemente, consultou os produtores de arroz de Roraima, sobre a possibilidade de fornecimento de 45 mil toneladas de arroz, o que dariam 900 mil sacas. A proposta foi recusada, pois o mercado local poderia ser desabastecido. Resumindo: a maior parte da população de Roraima que hoje sonha com o desenvolvimento (que deve ser sustentável) vai se ver dependente cada vez mais da economia externa. O estado que poderia se tornar grande exportador de alimentos para toda a região, passará a depender da Venezuela, que certamente enxergará o potencial para expandir sua produção e abastecer a população de Roraima.

Mais um questionamento que faço: que negócio é esse de formação de lideranças indígenas? Nunca soube de qualquer indígena receber formação por homens brancos para se tornar cacique! Cacique não precisa de formação dada por homem branco. O que existe lá e em todas as outras áreas indígenas onde os órgãos federais, igrejas e ongs marcam presença, são índios sendo formados para se tornarem técnicos indigenistas (especialistas em cultura indígena), com discurso claramente muito bem absorvido dos catequistas. Nada mais que isso. O que também não sou contra. O índio, como qualquer outra pessoa, deve ter a liberdade para optar pelo que bem entender. Forme-se em jornalismo, em direito, em medicina, em engenharia... Qualquer coisa. Faça ele o que bem quiser de sua vida. Porém, o verdadeiro líder indígena sabe muito bem o que seu povo quer e precisa, sem necessitar de interferência dos homens brancos. Haja visto todos os estragos que os brancos causaram nas comunidades indígenas no decorrer da história. Não preciso dizer mais nada. Isso é um ponto que também me intriga muito.

Enfim, além do que menciono acima, há muitos outros argumentos inconsistentes em todo o processo.

Para ver o lado dos índios, vale a pena visitar o site do Conselho Indígena de Roraima - CIR.

O documentário do Azenha está dividido em 7 partes que você pode ter acesso no site do YOUTUBE.

Certamente, o material vai contribuir para a formação de sua opinião. Bom proveito.